A Peritonite Infecciosa Felina (PIF)

A Peritonite Infecciosa Felina (PIF) é uma doença viral que acomete, com mais frequência, gatos filhotes ou jovens e possui duas apresentações clínicas: PIF úmida (ou efusiva) ou PIF seca (não efusiva). Seu diagnóstico ainda é considerado um quebra-cabeças, feito pela junção de diversos dados como os de anamnese, de histórico clínico, de exames laboratoriais gerais e, quando possível, da pesquisa de anticorpos ou de testes moleculares para a detecção do vírus.

Os gatos acometidos muitas vezes chegam ao Médico-Veterinário já com manifestações clínicas graves, apresentando-se bastante debilitados e necessitando de intervenções clínicas e nutricionais para melhorar seu quadro geral e tornar o avançar da doença um pouco mais lento.

Porém, novos tratamentos estão sendo desenvolvidos e parecem ser bastante promissores na remissão da enfermidade, podendo representar uma grande esperança para clínicos e tutores no manejo desta grave doença. Veja mais a seguir!

O que é a PIF

Considerada uma das mais importantes doenças infecciosas fatais em gatos, a Peritonite Infecciosa Felina (PIF) ainda não teve sua patogênese totalmente esclarecida e seu diagnóstico é bastante frustrante para o Médico-Veterinário e devastador para o tutor. Ela ocorre com maior frequência em gatos com até 2 anos e que possuem histórico de terem convivido em grandes colônias, como gatis de criação ou abrigos.

Há indícios de que algumas linhagens e raças sejam mais predispostas (p. ex. Abissínios, Bengals, Ragdolls) e outras, menos predispostas (p. ex. Siameses, Persas, Exóticos de Pelo Curto). Mas, gatos sem raça definida também podem desenvolver PIF. Fatores de estresse estão frequentemente envolvidos no histórico de gatos com PIF (KIPAR e MELI, 2014; KENNEDY, 2020).

A PIF é causada pelo coronavírus felino (FCoV), que é um RNA vírus envelopado da família Coronaviridae. Esta família possui quatro gêneros: Alphacoronavirus, Betacoronavirus, Gammacoronavirus e Deltacoronavirus (KMETIUK et al., 2020).

Os vírus Coronaviridae são considerados espécie-específicos, apesar de existirem relatos pontuais de infecções acidentais, ocasionais ou experimentais do SARS-CoV-2 em cães, felídeos e furões. Contudo, até o momento, não há evidências de que gatos, cães ou furões transmitam SARS-CoV-2 para humanos ou para outros animais fora do laboratório (KMETIUK et al., 2020).

O FCoV pode causar basicamente uma doença entérica (chamado então de Coronavírus Entérico Felino – FECV), que é considerada mais branda e até assintomática, ou sofrer mutações e então desenvolver o quadro grave e multissistêmico conhecido como PIF. Conforme a resposta imune do hospedeiro, pode se manifestar como um quadro de PIF efusiva (úmida) ou de PIF não efusiva (seca), conforme veremos a seguir (GERALDO JR, 2021; KIPAR e MELI, 2014).

Explicando o coronavírus felino (FCoV)

Apesar do FCoV ser bastante comum em gatos, a ocorrência da PIF não o é, pois apenas uma minoria dos gatos infectados por FCoV desenvolve a peritonite infecciosa (KENNEDY, 2020).

Muitos estudos têm buscado analisar o agente etiológico propriamente dito e o que faria a conversão da forma menos letal do FCoV na sua forma agressiva, referindo-se ao vírus letal da PIF. Porém, ainda não há clareza exata de quais propriedades moleculares predispõem ao desenvolvimento da doença. Acredita-se que tanto o vírus quanto o hospedeiro e o meio atuem nessa equação.

Como acontece a transmissão do FCoV?

O FCoV dissemina-se na população pela via fecal-oral, a partir de enterócitos contaminados. Gatos podem ser persistentemente infectados e eliminar o vírus nas fezes de forma contínua ou intermitente, apesar de serem clinicamente normais. Isso indica que gatos saudáveis portadores de FECV podem ter papel importante na epidemiologia de PIF (KIPAR e MELI, 2014).

Apesar da replicação inicial do FCoV acontecer nas células epiteliais intestinais, o vírus sofre mutações e ganha a capacidade de entrar e de se multiplicar em monócitos e macrófagos. Tal habilidade é muito observada nas infecções pelo vírus da PIF, o que permite a disseminação sistêmica do vírus. Um fator interessante é que, enquanto a capacidade de replicação nos monócitos e macrófagos aumenta, a habilidade de replicação do vírus nos enterócitos diminui. Esta pode ser uma das razões pelas quais o vírus da PIF não é eliminado, ou o é em níveis muito baixos, (KENNEDY, 2020).

Já a resposta imune do animal atua em como a doença poderá se manifestar clinicamente. O desenvolvimento de uma resposta imune celular adequada pode inibir a manifestação da doença. Nos gatos que desenvolvem PIF, observa-se uma resposta humoral robusta contra o vírus e as células infectadas, todavia, ineficaz. Nestes quadros há deposição de imunocomplexos e reações de hipersensibilidade (tipos II e III), com elevação de globulinas e de proteína plasmática total (GERALDO JR, 2021).

Conforme a intensidade ou eficiência da resposta imune do gato, temos então a manifestação de uma das duas formas da PIF: forma efusiva ou forma não efusiva. A seguir, veremos suas particularidades mais detalhadamente.

PIF úmida (efusiva)

A forma efusiva da doença está correlacionada a uma resposta imune celular fraca, associada a uma intensa resposta humoral do tipo Th2 (ativação de linfócitos B e produção de anticorpos) (GERALDO JR, 2021). A evolução clínica do quadro tende a ser rápida, secundária a uma vasculite generalizada (KENNEDY, 2020).

Alguns dos achados da PIF efusiva são:

  • acúmulo de líquido em cavidades (principalmente abdominal);
  • filhotes subdesenvolvidos;
  • febre intermitente;
  • inapetência, êmese e diarreia;
  • linfadenopatia;
  • alças intestinais espessadas;
  • dispneia, taquipneia e mucosas cianóticas (em casos de efusão pleural).

PIF seca (não-efusiva)

Por outro lado, a forma não efusiva da doença está correlacionada a uma resposta imune celular pouco adequada (tipo Th1) (GERALDO JR, 2021). O quadro clínico tende a uma evolução mais insidiosa e as manifestações clínicas variam conforme o órgão acometido por lesões piogranulomatosas focais (KENNEDY, 2020).

Alguns dos sinais e das manifestações clínicas da PIF seca são:

  • enterite;
  • doença renal;
  • doença em sistema nervoso central;
  • uveíte uni ou bilateral;
  • letargia;
  • perda de peso e inapetência;
  • febre intermitente.

Exames para diagnóstico da Peritonite Infecciosa Felina

Diversos estudos têm sido conduzidos tanto no intuito de esclarecer o mecanismo da doença quanto na busca de meios diagnósticos mais precisos e de tratamentos mais eficazes (KENNEDY, 2020). Ainda assim, o diagnóstico de PIF continua sendo feito pela combinação de diversos achados, em sua maioria, inespecíficos.

Pode-se observar anemia arregenerativa, leucocitose por neutrofilia e linfopenia no hemograma. Já os exames bioquímicos podem variar conforme o órgão afetado em cada caso. Cabe ressaltar que alguns estudos comprovaram que a instalação e a magnitude da linfopenia representam fatores prognósticos negativos (GERALDO JR, 2021; KENNEDY, 2020).

O aumento da proteína plasmática total secundária à hiperglobulinemia associada à hipoalbulminemia é um achado significativo (GERALDO JR, 2021). A maioria dos gatos com PIF apresenta bilirrubinemia e bilirrubinúria secundárias à hemólise e ao acúmulo de hemoglobina (KENNEDY, 2020).

Segundo Carlos Alberto Geraldo Jr (2021), a avaliação do líquido efusivo em casos de PIF úmida pode revelar exsudato asséptico ou transudato modificado e relação albumina:globulina < 0,4.

Provas sorológicas para detecção de anticorpos também são inespecíficas, pois indicam a exposição a qualquer coronavírus. Podem ser realizados os testes de ELISA, IFI e imunocromatografia, sendo uma titulação acima de 3200 considerada sugestiva de PIF. Porém, gatos saudáveis infectados com FCoV também podem apresentar altas titulações, assim como gatos com PIF podem apresentar títulos baixos e até negativos (GERALDO JR, 2021; KENNEDY, 2020).

Caso haja envolvimento neurológico, a avaliação sorológica do líquor pode ser útil e um estudo refere que uma titulação acima de 640 foi indicativa de PIF (KENNEDY, 2020).

Testes moleculares que buscam quantificar o RNA mensageiro do vírus dependem da carga viral presente na amostra coletada. O uso de RT-PCR em amostras de efusões ou de tecidos pode ser útil, pois possui alta sensibilidade (GERALDO JR, 2021).

O teste diagnóstico “padrão ouro” segue sendo a realização de imunohistoquímica para FCoV em tecidos afetados. Porém, isto frequentemente envolve a coleta massiva de material e, infelizmente, não é possível ser realizado ante mortem na maioria dos casos. Aspirados de agulha fina de tecidos/órgãos afetados não se demonstraram eficazes em descartar nem em confirmar PIF (KENNEDY, 2020).

Existe tratamento para a Peritonite Infecciosa Felina (PIF)?

O tratamento da Peritonite Infecciosa Felina pode atuar na modificação da resposta imune do gato ao vírus. O uso de corticóides visando suprimir a resposta imune do paciente foi amplamente empregado para trazer algum alívio paliativo, mas não afeta significativamente o avançar da doença. Sua prescrição é mais indicada quando apenas um tecido está acometido, como nos casos de uveíte. A sobrevida do animal pode ser de semanas até meses, conforme a gravidade do quadro (KENNEDY, 2020).

Drogas como interferon e o imunoestimulante poliprenil apresentaram resultados variáveis. O poliprenil apresenta melhor resultado em casos de PIF seca (KENNEDY, 2020).

Tratamentos que buscam inibir diretamente a replicação do FCoV, atuando nas proteases do vírus, são a grande esperança no momento. Os medicamentos GC376, GS5734 e GS441524 têm sido usados em estudos clínicos in vitro e in vivo, com resultados interessantes na remissão de gatos com PIF. Contudo, são bastante onerosos e ainda considerados experimentais (KENNEDY, 2020; GERALDO JR, 2021). Infelizmente, estes medicamentos ainda não são amplamente utilizados no Brasil, tanto por terem preços bastante altos, quanto por questões de registro.

 

 

Referências bibliográficas

GERALDO JR, C. A. Peritonite Infecciosa Felina. Artigo de site Zoetis Brasil. 15 de fev. de 2021. Disponível em: https://www.zoetis.com.br/prevencaocaesegatos/posts/gatos/peritonite-infecciosa-felina.aspx . Acesso em 5 de mar. de 2022.

KENNEDY, M. A. Feline Infectious Peritonitis – Update on Pathogenesis, Diagnostics, and Treatment. Veterinary Clinics – Small Animal Practice. v. 50, n. 5, p. 1001–1011, 2020.

KIPAR, A.; MELI, M. L. Feline Infectious Peritonitis: still an enigma? Veterinary Pathology. v. 51, n. 2, p. 505-526, 2014.

KMETIUK, L. B. et al. O novo coronavírus e os animais de companhia. Artigo de site CMRV-PR. 25 de jun. de 2020. Disponível em: https://www.crmv-pr.org.br/artigosView/100_O-novo-coronavirus-e-os-animais-de-companhia.html. Acesso em: 5 de mar. de 2022.

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